sábado, 18 de fevereiro de 2017

Las Golondrinas

Um dos blocos de elástico mais badalado no circuito de quinta reúne a fina flor da coroagem do bairro, não mais que quinze vovôs vestidos de mulher com saltinhos, sainhas, lingeries, perucas coloridas, exageradamente maquiados, trejeitando ao som duma bandinha de sopro e percussão - a tradicional chupa-catarro. No meio de tanta bizarrice, Seu Nono, branquelo que só, metido numa baiana de lamê dourado, um arranjo de frutas na cabeça, pernas depiladas à mostra na fenda da saia super justa, latinha na mão, balançando a pança, soprou um beijo pra Dona Pureza que aguardava a passagem do bloco para atravessar a rua e se recolher na igreja evangélica que frequentava desde pequenininha. Custou a crer que a Carmen Miranda que lhe soprara o beijo era ninguém mais, ninguém menos, que o circunspecto Doutor Justino, meritíssimo Juiz da Vara de Família, por coincidência seu chefe. 
(Contarelo de As Culhudas de Seu Portelo)

domingo, 15 de janeiro de 2017

Apropriação V
Grafite: Av. Oceânica/Barra - Foto & Texto: Geraldo Portela
(Fevereiro 2014)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Reverso XVIII

aqui estou eu
sentado junto à janela ouvindo a
sinfonia nº 3 de gustav mahler
a chuva fina estilha-se contra a vidraça
subliminal
no centro da sala uma mesa
de graves decisões e silêncios simbólicos
no centro da mesa
uma bandeja acrílica com múltiplas frutas
moldadas a sopro
avesso
na parede retratos de vários passados
olhares sibilinos e sorrisos remorsais
antepassados
uma mulher atemporal vagueia nua pela sala
com uma maçã incolorada
recitando palavras já pronunciadas
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