|
Pimentas
Foto de Geraldo Portela |
Essa pergunta é feita com muita freqüência por aqui, porque para nós
baianos todo molho é de pimenta e o resto é caldo, que de resto é molho, ou
seja, lá pelas bandas do sul, mas sob o mesmo céu de anil.
Por isso aqui na Cidade da Baía é comum se ouvir: “bota uma colherinha
do caldo dessa carne, aqui” ou “bota um tiquinho do caldo dessa moqueca, mãe”
ou ainda “gosto muito de fígado [bife de fígado] com arroz e um caldinho por
cima”.
Todavia, um parêntese se faz necessário para contar que quando
Pedr’Álvares chegou por aqui naquela ensolarada tarde de abril e foi recebido
por aquela gente alegre e festiva ficou sem entender o porquê de tanta alegria,
pois esperava encontrar um povo carrancudo e hostil como o de alhur. Nem
desconfiava o gajo que aquela gente tinha aquele jeito alegre de ser porque comia
pimenta, muita pimenta, de tudo quanto era jeito, forma e qualidade, já que a
dita abundava como abunda nos quatro cantos da outrora terra de Santa Cruz.
Estudos posteriores revelaram que a pimenta faz muito bem à saúde, por diminuir
o estresse, aumentar o tesão, combater a depressão, reduzir o colesterol, elevar
a sensação de euforia o que da para entender a malemolência e o bom humor dos baianos
maldosa e preconceituosamente confundidos com preguiça e irresponsabilidade.
“Esse molho arde?”
Não fique esperando a resposta. Apenas observe atentamente seu
interlocutor para não cair no esparro, porque ela será dada de esguelha, com um
sorrisinho sorete.
Esclarecido, pois, vamos aos molhos com seus sabores, segredos e
fazeres, lembrando que molho nessa terra de Todos os Santos não é só uma
simples mistura de pimenta com ingredientes variados. Vai mais além, muito mais
do que possa imaginar a vossa vã gastronomia.
Há algo de ritualístico no
trato com essas frutinhas coloridas, de sabor inigualável, ardor apaixonante e
poderes misteriosos que viçam por esse Brasil afora deste antanho, a começar
pela vasilha em que o molho vai ser preparado que deve ser de barro não vitrificado,
um alguidar pequeno cai bem, no qual se coloca um punhado de sal, um bocado de
pimenta e se machuca [amassa ou rala] com um machucador de madeira até virar
uma massa uniforme à qual se juntam outros e necessários ingredientes de acordo
com o molho que se pretende fazer.
São mais de 100 espécies com picâncias variadas.
Nos quefazeres do dia a dia aqui na terra de Todos os Santos usam-se não
mais de três ou quatro variedades que dão cores e sabores especiais aos
comeres, sejam eles de mesa ou de tabuleiro, começando pela fantástica
Malagueta, pequena e fina, vermelha ou verde, com grau de picância variando de
50.000 a 100.000 unidades de Scoville;
a diabólica Cumari (cumarim ou cumbari) pequenina, vermelha, verde ou amarela
com 30.000 a 50.000 unidades; a aromática Pimenta-de-cheiro, amarela ou
vermelha, que mais se assemelha a pitanga com elegante picância de 10.000 a
23.000 unidades e a intrigante Dedo-de-moça (Chifre-de-Veado), comprida e
suavemente curvada na ponta, vermelha ou amarela, com picância entre 5.000 a
10.000 unidades.
Pronto para encarar?
Atá ou Molho de acarajé
Bote um punhado de pimenta-malagueta verde pra secar e machuque com sal,
camarão seco catado e um pedaço de jinjibre até formar uma massa uniforme. Ao
depois, aqueça azeite-de-cheiro e refogue a mistura deixando fritar um pouco.
[Atá, corruptela de ataré, nossa pimenta-malagueta em substituição a malagueta
africana]
Molho de pimenta-malagueta
Bote num alguidar um punhado de sal e machuque um bocado de
pimenta-malagueta verde, camarão seco catado e um pedaço de jinjibre até formar
uma massa uniforme. Aqueça azeite-de-cheiro, refogue um pouco de cebola picada,
junte a massa de pimenta, camarão e
jinjibre, misture tudo rapidamente e tire do fogo antes de levantar fervura.
Molho de pimenta-malagueta
tradicional
Bote num alguidar um punhado de sal, pimenta-malagueta verde,
pimenta-malagueta vermelha e machuque bem até formar uma massa uniforme.
Acrescente suco de limão para diluir e diminuir a consistência.
[Há quem acrescente rodelas
finas de cebola e/ou de tomate vermelho]
Molho com camarão
Pegue camarão seco catado, junte jinjibre, pimenta-malagueta verde,
cebola e passe tudo na máquina de moer carne com a peça número um. Ao depois,
misture tudo num alguidar com azeite-de-cheiro e deixe no fogo, sem parar de
mexer com uma colher de pau, até obter
um molho espesso.
Molho lambão ou Molho nagô
Bote num alguidar um punhado de sal, um pedaço de jinjibre, um bocado de
pimenta-de-cheiro, pimenta-malagueta verde, pimenta-malagueta vermelha, camarão
seco catado e machuque até formar uma massa uniforme. Acrescente
suco de limão e mexa para diminuir a consistência. Ao depois junte cebola,
tomate, pimentão, coentro e cebolinha, tudo bem picadinho.
[Há quem acrescente quiabo
e jiló cozidos]
Molho caseiro com vinagre
Bote num alguidar um punhado de sal, um bocado de pimenta-malagueta
vermelha e machuque bem. Ponha azeite doce, vinagre, mexa
um pouco para diminuir a consistência e junte rodelas de cebola e um raminho de
coentro para enfeitar.
Molho caseiro com alho e limão
Bote num alguidar um punhado de sal, um bocado pimenta-malagueta
vermelha e um dente de alho. Machuque até formar uma massa uniforme. Acrescente suco de limão e mexa para diluir a massa. Na hora
de servir, enfeite com rodelas de cebola.
Molho de Vovó Cora
Bote num alguidar um punhado de sal, pimenta-malagueta verde,
pimenta-malagueta vermelha, pimenta-de-cheiro e machuque tudo até formar uma
massa uniforme. Diminua a consistência com suco de limão e azeite doce para
carnes e peixes; com caldo de feijão para feijoada e com caldo de verduras para
cozido.
________________________________________
Escala
criada pelo químico americano Wilbur Scoville. Cada “unidade Scoville”
refere-se à quantidade de vezes que um extrato de pimenta dissolvido em álcool
precisa ser diluído em solução de água e açúcar para ser neutralizado.